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Veganismo na gestação

Nesta última semana de outubro trazemos uma abordagem especial, redigida pela nutricionista Letícia Klempous Côrrea, sobre o veganismo. Como conciliá-lo com a gestação? Essa temática é de grande importância, não só pra garantir a saúde da mãe, mas também do filho, a fim de alcançar o desenvolvimento cheio de amor e satisfação.


Gestação e Veganismo: aspectos mais importantes

Uma dúvida muito constante em consultório é: e a nutrição de mulheres veganas e gestantes? Muito além de conversarmos sobre ferro, existem alguns pontos super importantes de serem relevados. Dentre eles, temos:

Taurina: a taurina é um aminoácido sintetizado pelo nosso próprio organismo. Entretanto, durante a gestação, temos necessidades aumentadas – e daí pode ser necessária a suplementação especialmente em veganos, já que as fontes alimentares de taurina são exclusivamente de origem animal (ovos, laticínios, frutos do mar, carne bovina). A taurina é super importante no metabolismo da glicose, e sabemos que na gestação a sensibilidade à insulina está consideravelmente diminuída. Durante a gestação, a taurina se acumula nos tecidos maternos e passa para o bebê via placenta (e, posteriormente, pelo leite materno), tendo como órgão-alvo o cérebro do bebê, contribuindo bastante para o desenvolvimento cognitivo.

Relação entre ácido fólico X vitamina B12: na dieta vegana, consome-se mais fontes alimentares de folato (folhas verde escuras, grãos, leguminosas) do que fontes de B12, contribuindo para um desequilíbrio nos níveis de B12 e uma possível anemia megaloblástica – lembremos que ANEMIA é um termo bem amplo e nem sempre é FERROPRIVA. Além disso, é comum a suplementação de folato, de forma isolada, no período pré-gestacional, e muitas vezes essa suplementação permanece por mais do que os 3 meses preconizados – nem todas engravidam rapidamente -, contribuindo ainda mais para este desequilíbrio bioquímico.

A vitamina B12 é essencial no desenvolvimento cognitivo do bebê, no fechamento do tubo neural (não apenas o ácido fólico, como muito se fala), na metilação gênica e na regulação/maturação do ciclo circadiano durante os primeiros meses de vida do bebê. A melhor forma de suplementar esta vitamina durante a gestação é na forma de metilcobalamina. Consumir alimentos de origem animal não é uma garantia de bons níveis de B12, mesmo porque além do consumo precisamos ter uma boa absorção da mesma – que por inúmeros fatores pode não ocorrer de forma satisfatória. Entretanto, é sabido que o grau da deficiência desta vitamina, em pacientes veganos, é maior do que em pacientes não-veganos.

Zinco: o zinco é um mineral essencial desde o início da gestação, já que atua em divisão celular. Ao longo da gestação o zinco continua sendo essencial, atuando no funcionamento da insulina, auxilia na prevenção de defeitos congênitos, diminui risco de pré-eclâmpsia e tua na mobilização hepática da vitamina A – daí a importância do zinco no metabolismo da vitamina A, pois não adiante ter boas reservas hepáticas de vitamina A se estamos deficientes de zinco. Dentre as fontes vegetais de zinco temos os feijões, lentilha, ervilha, grão de bico, soja (mas não acho a melhor opção – precisaria de uma nova postagem para falar ela), castanha do pará, nozes, amêndoas, avelãs, castanha de caju, sementes de abóbora e sementes de girassol. Estes alimentos devem ser consumidos todos os dias, e em variedade se possível – avaliando aqui, claro, a individualidade de cada pessoa. Entretanto, é importante ressaltar que estes alimentos apresentam um teor significativo de fitato, que não diminui após o cozimento e não sofre alterações ao longo do trato gastrointestinal. Daí a importância daquele clássico processo de deixar as leguminosas e sementes oleaginosas de molho, sendo as leguminosas por pelo menos 12h, se possível na água quente, ocorrendo uma hidrólise parcial desses fitatos e absorvendo melhor os minerais ali presentes – importante não cozinhar as leguminosas com essa água do molho, e sim com uma água nova ou com a água de verduras e legumes que você, por ventura, tiver cozido. Se puder germinar por 2 ou 3 dias, melhor ainda! Importante lembrar que as gestantes que utilizarem suplementos em doses elevadas de ferro (acima de 150mg/dia) devem avaliar os seus níveis de zinco, pois são dois minerais que competem entre si e o excesso de ferro prejudica o status de zinco, ok?

Vitamina A: não existem fontes vegetais de vitamina A, o que temos na natureza são alimentos ricos em carotenoides – dentre eles o betacaroteno. Esse betacaroteno, presente em vegetais e frutas alaranjadas e amarelas, precisa de zinco para que essa conversão à vitamina A ocorra. Junto com seu nutricionista, também pode haver a possibilidade de avaliar necessidade de suplementação de vitamina A, especialmente no segundo e terceiro trimestre gestacional. A vitamina A tem um papel super importante na modulação da microbiota intestinal da mãe, e estas bactérias intestinais da mãe são de suma importância para o bebê (aqui, já rende mais umas 3 postagens só sobre isso!) e no caminho bioquímico da absorção de ferro – ou seja, numa anemia ferropriva, super comum na gestação, tão importante quanto melhorar os níveis de ferritina e hemoglobina, precisamos melhorar o status de vitamina A. Os carotenóides são melhor absorvidos quanto consumimos suas fontes alimentares na forma cozida e junto de uma gordura. Exemplo: cenoura cozida com 1 fio de azeite de oliva extravirgem ou purê de abóbora com 1 fio de óleo de gergelim extravirgem.

Proteínas: programando bem sua rotina alimentar, mesmo numa dieta vegana podemos ter um aporte super adequado de proteínas, que no período gestacional é mais do que importante. Vale lembrar que lanches e café da manhã adequados também devem conter proteínas, não apenas carboidratos – como biscoitos veganos e frutas. Pastinhas de oleaginosas, pastinhas de leguminosas, pastinha de cogumelos, pãozinho de quinoa em grãos, petiscos de leguminosas são ótimas opções de lanche, evitando inclusive os temidos picos glicêmicos num período que já é tão diabetogênico: a gestação.

Em suma, é sim possível ter uma alimentação vegana durante a gestação, desde que estes cuidados específicos sejam tomados – e outros que não caberiam num texto tão pequeno. O acompanhamento individualizado ainda é o mais importante, já que ninguém é apenas vegano – existem distúrbios metabólicos que devem ser considerados no pacote dessa avaliação individual


Referências

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/12235714

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/27876554

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/27076577

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19472602

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/27573099


Letícia Klempous Côrrea

Nutricionista

Site: leticiaklempous.com.br

Facebook: /nutricionistaleticia

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